Arte que Revitaliza o Passado e Transforma o Presente.

O Noviciado Nossa Senhora das Graças, localizado no histórico bairro do Ipiranga, em São Paulo, carrega uma trajetória rica e cheia de significados. Fundado em 1924 pelas Irmãs Salesianas, o convento serviu por décadas como local de formação religiosa e mais tarde como um pensionato para jovens. Com sua arquitetura neoclássica imponente, projetada pelo padre Domingos Despiano, o edifício ainda preserva detalhes como vitrais e mosaicos de ladrilhos hidráulicos, que trazem à tona a beleza e o valor histórico do lugar.

Durante os anos 70, além de sua função espiritual, o convento também abrigou um pensionato, e mais tarde foi utilizado pela Faculdade São Marcos. No entanto, desde o início dos anos 2000, o local ficou abandonado, o que intensificou o seu ar de mistério e nostalgia.

Agora, após 15 anos de abandono, o convento renasce como palco da exposição "Para Falar de Amor", um evento sem fins lucrativos que reúne mais de 50 artistas para transformar esse espaço histórico em um novo polo cultural para a cidade. Através da arte, o antigo convento passa a contar novas histórias, sendo não só um espaço físico, mas também um símbolo de reconexão entre passado e presente. Mais do que uma simples mostra, a exposição visa revitalizar a cultura da cidade, proporcionando ao público um encontro profundo com a arte, a história e as emoções que permeiam a vida contemporânea.

Com entrada gratuita e ingressos disponíveis por meio de reserva online, a exposição convida a todos a explorar este ambiente único, onde a memória e a criação artística se entrelaçam em cada canto.

Para falar de amor

[ olhos da liberdade, ativismo integrativo, todos os nomes, niente da fare, obra sincronicidade, afrosensorial ]

O amor precisa de tempo, o ser humano precisa de afetos.

Na década de 90 muitas coisas começavam a mudar com o surgimento da internet e das redes sociais. Todos nós esperávamos pelo fim das fronteiras e uma maior integração da vida em torno do planeta. Sob os signos da canção, víamos passar a Ditadura Militar e surgir uma nova democracia e crescíamos permeados pela ideia da independência.

Muitos filhos de pais separados, o contraste social reiterando as diferenças de um país onde nasciam as ondas do ambientalismo repleto de antropologia cultural, presentes os povos da América no imaginário brasileiro, a Amazonia no centro da pauta, urbanismo e uma variedade de estímulos sociológicos na educação e nas formas do trabalho, esmaecendo aos poucos o Brasil da Bossa Nova e da Tropicália. As lutas populares iriam chegar ao poder. O Rock nacional continuava a consciência do período pós Ditadura e nos veríamos vivenciando a arte conceitual, o Hip Hop, o Graffiti, a última brisa neoconcretista, a semiótica e a paráfrase critica de Ferreira Gullar, sustentando até o fim, a cisão entre o Rio de Janeiro de Hélio Oiticica e a Sampa dos irmãos Campos.

O tecido da cultura e do ambientalismo, do MCP a Chico Mendes, tecia herdeiros como Eduardo Campos e Marina Silva. No esgotamento do Rock e da diluição pop da Jovem Guarda, as rádios iriam de RPM ao Movimento Mangue Beat. O Brasil de Álvaro Vieira Pinto, autor da visionária obra “O Conceito de Tecnologia”, ainda tinha Mario Pedrosa, Maria da Conceição Tavares e Paulo Freire, símbolos de um socialismo pacifico, dialógico, eficiente, e a noção da vida individual crescia até chegar no período atual onde a ressignificação dos tuneis da história, dividiria o país dos heróis que morreram de overdose na reedificação das ideologias radicais que geraram a atual polarização política. Como se muitas gerações anteriormente não tivessem lutado por tudo que as gerações atuais estão lutando a ação da Descolonização se traduz como se não houvessem partes da história anterior. Perdemos o espirito de conciliação e integração de gerações.

Desde a década de 80 a luta contra a Ditadura seguiria para as arenas políticas do Brasil, sendo refletida no Congresso Nacional e em todos os estados da União, seguindo para os dias atuais. Todos falam, das minorias aos amplos movimentos da Democracia até retrocedermos ao estado atual de vozes dissonantes que separam a sociedade em dois grandes gritos silenciosos de uma multidão que divide a história e minimiza as funções originárias da arte.

De alguma maneira, as redes de cultura e contracultura, das manifestações das ruas em décadas anteriores, se viciaram em poder e contrapoder na conjugação das redes de computadores e nas mídias sociais.

A arte atual se pauta pelo poder. Não se pauta mais pelo conhecimento inerente da arte. O engajamento empresta a alma de todos nós para uma esterilização da utopia, da diversidade e da liberdade que toma formas especificas de comportamento como a regra da liberdade de uns em confronto com a liberdade de outros. Todos divergem num ambiente que trouxe o enfrentamento e não a interação e multiplicação da arte no tecido social, com a inerência sensível, libertária e criadora. Formamos um ambiente onde a liberdade está presa em lutar pela liberdade. E na diversidade da Esquerda, o bloco dilui a diversidade contra a acentuada e monolítica anticultural da Direita que reflete o Brasil na polarização política global. É uma evidente crise que afronta o conhecimento milenar da arte, deixando de lado o sagrado e o espiritual.

Olhando por este viés, o Kura, plataforma de produções culturais na cidade, buscando atuar como agente de cura e ressignificação, seja em pessoas espaços e história, acreditando na arte por conta do movimento, na importância da arte para a criação, a força positiva da criação, do encontro, da arte desde a forma até as maiores sutilezas daquilo que sentimos e pensamos, apresenta a mostra que contem mais de um título, ou seja, um plurititulo, entre os quais o sinônimo escolhido é “Para falar de amor”. Desenhada pela plataforma Kura e pelo artista e curador, Saulo di Tarso, numa aproximação criada por Walter Nomura (Tinho), a mostra se expande para oferecer um encontro onde todos os participantes e público estão livres para agir e falar sobre cinco eixos principais: todos os nomes, para sentir a fé, ativismo integrativo, niente da fare e obra sincronicidade.

Uma mostra caracterizada por pluritítulo

PARA FALAR DE AMOR é o nome que representa o pluritítulo da ação no Convento. É um manifesto ao encontro e a vivência e expressão sobre sentir a fé, a importância da liberdade no olhar de artistas, sobre a verdadeira missão de todos os nomes e vidas ligadas ao encontro, onde a experiência dos visitantes também é acolhida, na sua própria experiência da sincronicidade com o evento.

Niente da fare

Dois jovens artistas italianos

No eixo niente da fare, trazido para a mostra através da obra do jovem artista italiano Matteo Zoccolo, que criou uma ativação cuja a tradução “nada para fazer”, na cidade de Biella, simboliza uma reação a anulação do espaço social das cidades, decorrente da Pandemia. Além da obra do artista feita em anotações múltiplas, será apresentado o objeto intitulado “Andrà tutto bene”, no qual Matteo adicionou seu primeiro teste COVID positivo aos pés de Jesus crucificado. A mostra conta, ainda, com a obra de outro jovem italiano, Leonardo Maurizio, cuja pintura é inspirada numa noção de “arte pós vandalismo”, colocando a reflexão da pintura um passo avante da street art.

O eixo “niente da fare” também é trazido como amplificação da ideia e tradução do sentimento de impotência daqueles que não se colocam de um lado ou de outro da polarização da sociedade atual.

Obra Sincronicidade

Giorgia Volpe, MAC de Montreal, Canada. https://maci.com/artistes/volpe_giorgia/index.php

Assumindo a plurititularidade, a mostra, é um chamado para que tanto os artistas quanto o público e demais participantes tenham o Convento como um espaço de encontro, reflexão e novas ações que retornem a arte ao estado regenerativo, criador, relacionando a arte ao campo originário de expressão, singularidade, espiritualidade e consciência coletiva. Neste sentido a obra sincronicidade aproxima o conjunto de narrativas colhidas pelo artista e curador da mostra, narrando trechos de 20 anos de correlação entre seu percurso e situações da vida real, até a chegada na plataforma Kura, através de uma história de amor, onde são encontradas, no caminho, uma série de sincronicidades que ligam vida e arte, relacionando a sua convivência pessoal a lugares do mundo, interações que resultaram em criação artística, coleção de obras na sua coleção, como encontros e interações como, por exemplo, a coleção do advogado suíço Gian Andrea Danuser, que estará parcialmente exposta junto com o arquivo de Saulo di Tarso e Lia Cassettari.

Curadoria como expansão da linguagem artística

Obra de Paulo Nazareth, da série Esconjuro.

Partindo da aproximação de situações reais, o artista propõe a ruptura da barreira entre curadoria e arte, colocando a curadoria como linguagem artística, onde os fenômenos de sincronicidade e complementaridade do viver individual e viver conjuntamente, de modo pessoal e coletivo, valorizando a complementaridade das relações em sua trajetória, como a expansão da leitura de artistas que, em toda a história da arte moderna, organizaram a reunião coletiva dos artistas de cada geração. Caso dos modernos europeus e do próprio Di Cavalcanti, no cenário da Semana de Arte Moderna de 22. Neste sentido, a mostra aponta um caminho de que artistas podem trabalhar para o olhar dos artistas e não necessariamente para o olhar de curadores e instituições da arte institucional e mercadológica. Fortalecendo o principio de ampliar espaço para a curadoria como linguagem a mostra apresenta o primeiro trabalho curatorial da antropóloga Alice Buratto, no eixo Afrosensorial.

Falar de amor

Carinho: obra de Lau Guimarães

Tendo o amor como sinônimo transversal, a mostra não trata de obras romantizadas e sim do espectro plural das buscas individuais e de como o amor se estrutura na doação de cada artista e sua missão cotidiana, relacionada aos aspectos de fé, política e interatividade, liberdade de olhar e agir, assumir contradições e restaurar o sentido da arte na vida atual. A mostra não se compõe por obras que traçam a narrativa amorosa. A ideia é reunir expressões dentro e fora da concepção de arte, na qual o amor seja percebido como ação e estrutura da vida, chamando a reflexão de como encontrar novos caminhos além da polarização que tomou conta da sociedade nos últimos anos. Uma das expressões mais simbólicas nesse sentido é a obra de Lau Guimarães, que a décadas insere a palavra carinho em diversos percursos da cidade.

O olhar da liberdade

Estarão presentes mais de 60 artistas, convidados pelo Kura por Kauê Fuoco, ladeados pela presença de duas coleções unidas pela sincronicidade entre a Suíça e o Brasil. A coleção de Gian Andrea Danuser e o arquivo do (artista e curador) Saulo di Tarso (e Lia Cassettari – liaas art foundation), que comemora 30 anos de carreira, gera um contraponto atemporal, rompendo o critério linear do sistema de arte ao interagir a arte das ruas com arte histórica, falando do afeto de colecionar, pela identificação e afinidade eletiva. O elo entre Saulo di Tarso e Gian Andrea Danuser começou em Zurique, no Natal de 2022, quando o artista e curador brasileiro viu uma obra de Stephan Sadkowski no Musée Visionnaire, em Zurique e, no dia seguinte, caminhando pela cidade, encontrou na qual figurava a mesma obra e uma fotografia do artista na Stadtkunst Galerie, fundada de maneira efêmera, por Gian Andrea, para vender as obras de sua coleção e encerrar a atividade logo em seguida. A partir do encontro e do fechamento do espaço físico da Stadtkunst Galerie, em Zurique, os dois resolveram reunir parte das coleções e mostrar as obras em São Paulo. O diálogo entre os dois os levou Angela Thomas, viúva e biografa de Max Bill e ambos decidiram, em algum momento, dar um destino em comum às suas coleções. Gian Andrea adquiriu as obras na nascente atividade, na década de 70, de alguns artistas como Hannes Bossert e Alexander Tuchacek, além de ter sido apoiador e editor da rara publicação de Stephan Sadkowski, expostas pela primeira vez no Brasil e com tradução de alguns fragmentos da obra original em alemão. O artista inspirou o filme do cineasta Robert Beavers, gravado em Zurich, em 1969, cuja primeira exibição pública foi feita no Österreichisches Filmmuseum, Vienna, em 21 de maio de 1996.

Artistas das coleções

Estrangeiros | Otto Müller e Trudi Demuti, Hannes Bossert, Stefan Sadkowski, Milena Ehrensperger, Pjotr Kraska, Alexander Tuchacek, Krisztian Frey, Fred Engelbert Knecht, Joseph Beuys, entre outros. Brasil | Paulo Nazareth, Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Gerald Thomas, Aparício Basilio, Sidney Amaral, Koellreutter, Di Cavalcanti, Hugo Adami, Alfredo Volpi, entre outros.

Para sentir a fé

Três séries de xilogravuras de Albrecht Dürer estarão no Convento As três séries do artista Albrecht Dürer, sendo Apocalipse, A Grande Paixão e a Vida da Virgem, totalizando 48 xilogravuras do artista alemão, introduzidas por Giorgio Vasari e reimpressas das matrizes originais, em 1977, na Antica Stamparia del Borgo Mediovale, pelo mestre impressor de Torino, Victor Ceratto, serão expostas no Convento. A ideia é criar o cruzamento da atemporalidade fora do espaço museal, através da presença do artista alemão, que revolucionou o conceito da imagem sacra e a linguagem da xilogravura. As séries foram produzidas entre 1500 e 1511 e serão expostas integralmente entre as obras contemporâneas, cruzando obras de artistas brasileiros que trabalham a temática da fé, como o paraense Guy Veloso.

O retorno de Francisco Silva aka NUNCA

Abertura do quinto e sexto selos, 1497 por Albrecht Durer (1471-1528, Italy)

Dos contemporâneos, a obra de Nunca, pioneiro da inserção de diálogos com a gravura histórica de Théodore de Bry nas ruas de São Paulo. A participação do artista marca o retorno da sua atuação após cinco anos afastado da cena artística em São Paulo e no mundo. Após a Pandemia, Nunca se retirou para um período sabático da sua produção. Um dos mais maduros artistas da sua geração e pioneiro nas questões de descolonização e ancestralidade, Nunca é autor de murais históricos da cena do grafitti, na cidade de São Paulo, especialmente os que foram produzidos na Avenida 23 de maio.

Afrosensorial

Afrosensorial é o espaço que apresenta o primeiro trabalho curatorial de Alice Buratto. Nascida em São Paulo, em 1986, a jovem curadora faz sua primeira mostra como autoral no espaço do Convento. Formada em Antropologia pela Universidade de São Paulo, onde se interessou pelo africanismo e o indigenismo, ampliou sua formação para as artes, na faculdade Belas Artes de São Paulo, onde começou a refletir sobre arte e ativismo, espaço urbano e como os espaços urbanos poderiam transformar a vida das pessoas e o uso desses locais. Retornando para Antropologia, dedica-se a antropologia da performance, arte-ativismo e antropologia urbana. Em 2012, Alice Buratto se insere na investigação das ocupações do Centro de São Paulo e ações que aconteciam no Largo da Batata. Em 2014 muda-se pra a Cidade do Cabo, na África do Sul, atua com arte contemporânea, na Goodman Gallery até retornar para São Paulo onde decide atuar pela inserção de artistas africanos e afrobrasileiros, voltados a cultura originária local. Sankofa, Otiniel Lins, nascido em Recife, vive em Paris, Lavi Kasongo, artista nascido no Congo, residente no Brasil, Paulo Chavonga, de Angola, Ogba e Carlos Evangelista.

Ativismo Integrativo

Labirinto medieval da Catedral de Chartres.

Valorizando a intenção de cura, promovida pela plataforma Kura, o evento contará ainda com a atividade de meditação proposta pela UFMSP, onde os visitantes da mostra poderão percorrer a reprodução do labirinto da Catedral de Chartres. A partir dessa jornada transformadora, conduzida pela pesquisadora Daniele Lizier o ativismo integrativo, busca promover a integração da cultura, da comunidade e do autoconhecimento como instrumentos de cura e melhoria da qualidade de vida dos participantes. A vivência da meditação através do labirinto de Chartres ilustra como o ativismo integrativo pode se manifestar na prática, através da abertura a diferentes perspectivas culturais e da incorporação de práticas holísticas no cuidado com a percepção humana, através da abordagem tem o potencial de transformar não apenas a vida dos indivíduos, mas também de promover uma sociedade mais saudável, equilibrada e integrada.